O Estado de S. Paulo

CHEGA A ERA DAS MULHERES NA MOTOCICLETA

Maria Casadevall é a protagonista de ‘Garota da Moto’, que protege o filho e garante o sustento da família como motogirl

Luiz Carlos Merten

João Daniel Tikhomiroff é um dos mais conhecidos – e premiados – diretores brasileiros de comerciais. A Wikipédia coloca em seu crédito 41 Leões de Ouro no Festival de Publicidade de Cannes – o segundo maior vencedor na história do evento. No cinema, dirigiu dois filmes – Besouro e Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood. Garota da Moto, em cartaz nos cinemas, lhe outorga o crédito de direção artística. O diretor é Luís Pinheiro.

No fim dos anos 1960, houve outra garota da moto, mas o filme dirigido por Jack Cardiff, com Marianne Faithfull, chama-se Garota da Motocicleta. Cardiff chegou a ser considerado o maior diretor de fotografia do mundo. Seu longa baseia-se num livro de Pieyre de Mandiargues, famoso pelo sexo, mas o diretor conseguiu esvaziá-lo de todo erotismo, em benefício da quinquilharia visual que caracteriza a narrativa. A nova garota da moto é baseada numa série que foi apresentada pelo SBT. Maria Casadevall é quem faz o papel da motogirl que se aparelhou para se defender, e ao filho. Ela se empodera, bate e arrebenta como ás de artes marciais. Ao descobrir uma rede que explora o trabalho escravo de outras mulheres, fica na mira de policiais corruptos. E dê-lhe pancadaria.

O mais interessante sobre Garota da Moto é que o filme chegou aos cinemas na cola de Reação em Cadeia, de Márcio Garcia – sim, o apresentador da Globo. Há tempos, desde o curta, ele vem desenvolvendo uma carreira que segue o receituário de ação made in Hollywood. Perseguições de carros, kiss kiss, bang bang. Para mostrar que Garcia assimilou as lições, basta comparar seu thriller – no limite, uma história de corrupção – com dois filmes estrangeiros de ação que chegaram simultaneamente às salas. Infiltrado, de Guy Ritchie, com Jason Statham, e Mate ou Morra, de Joe Carnahan, com Frank Grillo e Mel Gibson. O primeiro é sobre um pai que tenta se vingar. O segundo incorpora ao cinema de ação o looping de O Feitiço do Tempo, de Ivan Reitman.

Lembram-se? Bill Murray como o repórter de TV que fica preso numa falha do tempo, vendo o mesmo dia se repetir indefinidamente. Conseguirá ele escapar ao motu perpétuo? Conseguirá Frank Grillo escapar à própria morte? Se os filmes estrangeiros parecerem melhores, será por conta do carisma dos atores. Statham, um lutador e mergulhador inglês, virou astro esculpindo sua persona de herói de ação em filmes de Guy Ritchie e, depois, na série Carga Explosiva. Frank Grillo ainda não chegou lá, mas suas cenas com Naomi Watts não carecem de credibilidade.

A estética de Garota da Moto vem de outra vertente. Mistura publicidade com comics, num estilo elaborado de visual que tem caracterizado alguns filmes da produção brasileira recente. Besouro, do próprio João Daniel Tikhomiroff, que já era de lutas (capoeira), Reza a Lenda, de Homero Olivetto, e O Doutrinador, de Gustavo Bonafé e Fábio Mendonça. São filmes que não gozam da estima dos críticos, mas aos quais não se pode negar o cuidado no acabamento. O diferencial de Garota da Moto está no próprio título: a presença dessa nova mulher poderosa.

Mulher e moto. Existe, na produção de Hollywood, um fetiche pela moto como expressão de rebeldia, quase sempre masculina. Marlon Brando, em Selvagem, de Laszlo Benedek, no começo dos 1950, e Peter Fonda e Dennis Hopper em Sem Destino, no final dos 60, caíram, na estrada e viraram emblema da geração das drogas contra a da birita, representada, no mesmo filme, por Jack Nicholson. Ao longo de toda aquela década, Roger Corman, como produtor e, eventualmente, diretor, celebrou os Hell’s Angels.

Chegou agora a era das mulheres nas motos. Marianne pagou o preço de ser pioneira, com o destino trágico de sua garota. Maria Casadevall tem fisicalidade e fotogenia, combinação que forja as estrelas. Coincidentemente, em muitas salas a estreia de Garota da Moto é acompanhada pelo trailer de A Mensageira. Outra moto, e Olga Kurylenko tentando salvar a testemunha dos crimes cometidos por Gary Oldman, nunca em sua melhor forma quando interpreta seus heróis de carteirinha. Quando lhe perguntam quem é, Olga responde: “Apenas a mensageira”. Maria vai na mesma linha. Busca manter os pés no chão, exceto quando está voando na jugular dos adversários. Não é uma supermulher, e essa é a tônica do filme de Luís Pinheiro, que também dirigiu Mulheres Alteradas.

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2021-09-26T07:00:00.0000000Z

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