O Estado de S. Paulo

Licença de mães e pais reforça debate sobre lei

Diante da baixa adesão ao programa Empresa Cidadã, projeto tenta ampliar benefício em favor da infância

Ludimila Honorato

A oferta de licença parental estendida tem feito parte do plano estratégico de algumas empresas que compreenderam que funcionários felizes têm desempenho melhor. Vanguardista, o benefício ajuda a atrair, reter e engajar mais os colaboradores. Enquanto isso, grupos buscam levar o tema ao debate público e influenciar alterações na legislação, que, segundo especialistas, está defasada em relação às mudanças na sociedade.

A licença-maternidade foi introduzida em 1948 pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com duração de 84 dias e remuneração paga pelo empregador. Estabeleceu-se a licença-paternidade de apenas um dia. A partir de 1973, a Previdência Social assumiu o valor pago pelo afastamento das mães, o que é feito até hoje. Em 1988, a Constituição ampliou a licença das mulheres para 120 e a dos homens para cinco dias, esta paga pela empresa.

Nova mudança ocorreu em 2008, com a criação do programa Empresa Cidadã, cujas companhias aderentes podem estender a licença-maternidade a 180 dias e a paternidade para 20 dias. Neste último caso, o empregador deduz do Imposto de Renda da pessoa jurídica o total da remuneração paga ao funcionário. De acordo com a Receita Federal, de 150 mil a 200 mil organizações são elegíveis ao benefício, mas, até fevereiro deste ano, só 24.180 tinham aderido – ou seja, de 12% a 16%.

A 99 integra esse rol de quem aderiu, e o diretor executivo da 99Pay, José Maurício Orsolini Filho, usufruiu do benefício em janeiro, após o nascimento do primeiro filho. “Cinco dias seriam muito pouco. O primeiro mês é muito complicado, um misto de emoções. Por mais que ouça relatos, a gente não está preparado. Foi muito importante ter os 20 dias, e gostaria que fossem até mais.” Ele afirma que a medida tem impacto positivo no trabalho. “À medida que a empresa permite ter vida mais humana, você acaba vestindo mais a camisa.”

Uma nova proposta de licença parental chega para reforçar o debate público e pautar o tema no Congresso, onde existem ao menos 13 projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição que versam sobre o assunto. O PL 3110/2021 é resultado de discussões iniciadas em

2020 pelo Grupo de Trabalho sobre Licença Parental, coordenado pela ONG Family Talks e pela Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância.

Os integrantes avaliam questões como o cuidado com a criança, o impacto na empregabilidade de mulheres, a baixa participação dos homens, os gastos do poder público e o impacto nas empresas. “O grupo se debruçou sobre os problemas e viu o maior envolvimento masculino no cuidado como premissa necessária para garantir melhor condição do desenvolvimento infantil e proteger a projeção laboral da mulher”, diz Rodolfo Canônico, especialista em Políticas Públicas para a Família, diretor executivo do Family Talks.

Depois de avaliar diferentes formatos, o grupo chegou ao seguinte projeto de lei: para companhias

fora do Empresa Cidadã, seriam mantidos os 120 dias de licença-maternidade, os cinco de licença-paternidade e a introdução, à parte, de um afastamento de 30 a 50 dias (usufruídos por qualquer um dos responsáveis), com recebimento de 80% do salário; para empresas cidadãs, as mães teriam os mesmos 180 dias de licença, os pais manteriam os 20 dias e haveria uma licença opcional de 40 a 60 dias (para qualquer um dos responsáveis), também com 80% da remuneração.

Em ambos os casos, o período adicional seria combinado com a empresa. Há discussões para dobrar o período de licença-paternidade no caso de organizações fora do Empresa Cidadã. Canônico afirma que o benefício se destina a todas as configurações de família, com filhos biológicos ou adotivos. “É para

proteger o núcleo da criança, porque a licença não tem só objetivo de recuperação do parto. Na adoção, por exemplo, crianças precisam se acostumar ao ambiente, ainda mais quando são mais velhas”, diz.

Investimento. Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que a principal justificativa para a baixa adesão às licenças estendidas é a de mais custo para

Rodolfo Canônico DIRETOR DO FAMILY TALKS

empresas e governos. Para o grupo de trabalho, porém, a licença parental deve ser entendida como investimento, e não gasto. “A partir do momento em que a sociedade investe na licença-maternidade no modelo atual, está investindo em amamentação, criando ambiente em que a criança desenvolva habilidades socioemocionais, o que tem retorno altíssimo para a sociedade”, diz Canônico.

Ele cita o trabalho do economista James Heckman sobre a primeira infância, segundo o qual cada dólar investido nos primeiros anos da criança traz um retorno de até 13% na sociedade. Além disso, uma boa educação infantil resulta em salários 25% maiores no futuro, menos chances de não trabalharem ou de cometerem crimes violentos.

Regina Madalozzo, especialista em economia do trabalho e pesquisadora associada ao GeFam, lembra que, enquanto a licença-maternidade é paga pela Previdência, a empresa pode contratar um funcionário temporário, ao qual pagará do seu caixa. O salário pago pelos 60 dias adicionais do Empresa Cidadã é ressarcido no Imposto de Renda da companhia.

A deputada federal Leandre Dal Ponte, presidente da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância, afirma que, mais do que lei, é preciso convencer a sociedade sobre a licença do ponto de vista de interesse das crianças, que serão futuros profissionais nas empresas. “A gente percebeu que, além da dificuldade de a pauta entrar na agenda política, tem certa inércia por parte do próprio homem de buscar isso como direito dele”, diz ela.

É PARA PROTEGER

O NÚCLEO DA CRIANÇA, PORQUE A LICENÇA

NÃO TEM SÓ O OBJETIVO DE RECUPERAÇÃO DO PARTO.

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2021-09-26T07:00:00.0000000Z

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