O Estado de S. Paulo

Um Tietê mais limpo

O avanço da despoluição do rio é um alento. Mas ainda restam grandes desafios para a segurança hídrica.

Em meio a uma enxurrada de desastres na área ambiental – o descontrole do desmatamento na Amazônia; a voragem do fogo no Pantanal; a crise hídrica; o negacionismo do Planalto; e o sucateamento do Sistema Nacional de Meio Ambiente –, um fio de esperança corre em São Paulo. Segundo o levantamento Observando o Tietê da SOS Mata Atlântica, entre setembro de 2020 e agosto de 2021, a área com qualidade de água ruim no Rio Tietê foi reduzida em 50%. O avanço confirma uma tendência consistente de melhora nos últimos anos.

Embora ainda não tenha sido verificado nenhum trecho considerado “ótimo”, também não se verificou nenhum “péssimo”. A mancha de água “ruim”, imprópria para usos e inadequada para a vida aquática, ficou restrita a dois trechos – entre o município de Suzano e a capital, e no município de Porto Feliz – totalizando 85 km ou 17% dos 492 km monitorados.

Já a área “boa” (124 km) e a “regular” (283 km) cobrem 83%. Toda essa extensão permite usos múltiplos de água para abastecimento público, irrigação, produção de alimentos, pesca, lazer, turismo, navegação e geração de energia, além da manutenção de ecossistemas e o resgate da cultura nos municípios ribeirinhos, cuja história é associada ao rio.

A série histórica de 20102020 aponta uma reversão na degradação do Tietê. Entre 2010 e 2015, a área de água ruim ou péssima saltou de 36% para 48% e a regular diminuiu. Medidas como o aumento das ligações de redes coletoras de esgotos e dos volumes de tratamento reverteram essa trajetória. Entre 2015 e 2020, os trechos de água regular aumentaram de 59% para 66%, e os de água ruim caíram de 44% para 25%. A mancha de água péssima, que cobria quase 10% do Tietê em 2010, foi reduzida para cerca de 1% em 2020 e desapareceu em 2021. No mesmo período, a água boa aumentou de 4% para 7%.

A redução consistente da poluição traz algum alívio para os paulistas, por tantos anos resignados a ver o seu principal rio em estado terminal. Mas não é hora de relaxar. Ao contrário, essa evolução deveria energizar o poder público e a sociedade civil para que mobilizem suas melhores forças no enfrentamento de desafios ainda críticos.

Mesmo com a redução dos trechos ruins, ainda não há trechos ótimos. Dos 53 pontos de coleta distribuídos no Tietê e em 21 rios afluentes, também não há nenhum ótimo, enquanto 4 foram considerados péssimos. Três deles estão no Rio Pinheiros, na capital, que se mostra bem aquém das metas de despoluição.

A melhoria do saneamento e a integralidade da coleta e tratamento de esgoto doméstico e industrial são as principais ferramentas de despoluição e devem ser robustecidas. Também é importante aprimorar o planejamento do uso da terra, o controle da erosão e pôr fim à poluição dos rios por agrotóxicos, além de investir na proteção e na restauração das florestas e ecossistemas da bacia do Tietê, que têm o papel de regularizar a vazão dos rios e protegê-los de sedimentos e poluentes de áreas urbanas e rurais.

Como alerta a SOS Mata Atlântica, a legislação ainda tolera uma categoria de água (a Classe 4) que permite que um rio tenha como única função receber resíduos industriais e agrícolas, servindo praticamente como um diluidor da poluição, sem condições de manter a vida e servir a usos coletivos. Isso precisa ser revisto.

A severa estiagem deste ano é um alerta de que os desafios à segurança hídrica tendem a aumentar. Vale lembrar que 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água limpa e mais da metade do esgoto não é tratada. Nos últimos 20 anos, segundo a ONU, a disponibilidade de água diminuiu em 20% para cada habitante do planeta. Num futuro previsível as crises hídricas e os extremos climáticos serão mais frequentes – fatores que, de resto, sempre podem ser agravados quando as forças do retrocesso ambiental assumem o poder, como no atual governo federal.

Por essas razões os paulistas devem se manter vigilantes. Mas, até para revigorar as suas forças, também podem tomar alento no fato de que o seu principal rio está, aos poucos, voltando a respirar.

Avanço da despoluição é um alento. Mas ainda restam grandes desafios para a segurança hídrica

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2021-09-26T07:00:00.0000000Z

2021-09-26T07:00:00.0000000Z

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