O Estado de S. Paulo

Refugiado entrega cor e arte à cidade

Projeto de ONG convoca talentos e transforma muros cinzentos em cenas vivas, criando ‘galerias de arte’ nas ruas da capital paulista

José Maria Tomazela

Shambuya Wetu (Congo), Paulo Chavonga (Angola) e Israël Lavi (Congo) em frente a obra no bairro de Pinheiros: acolhidos pela ONG Estou Refugiado, os artistas participam do projeto Cores do Mundo. Após a boa repercussão na capital, iniciativa deve ser levada a outras cidades paulistas.

Aos poucos, o tom cinza de muros e tapumes da Avenida Rebouças vai sendo coberto por pinceladas coloridas e chamativas. As pinturas atraem o olhar de quem passa a pé ou de carro. Os artistas são estrangeiros acolhidos pela ONG Estou Refugiado e os espaços que eles transformam em telas foram cedidos por empresas parceiras do projeto Cores do Mundo.

“A proposta é encher de cores os espaços cinzentos de São Paulo e de outras cidades, e oferecer trabalho para os artistas refugiados”, disse a presidente da ONG, Luciana Capobianco. Com a adesão da construtora Pedra Forte ao projeto, cerca de 450 metros de tapumes de uma grande edificação na Rebouças já viraram obras de arte pelas mãos dos artistas Israël Kasongo Lavi e Shambuya Wetu, ambos do Congo. Outro painel já finalizado para a construtora, na esquina das Ruas Artur de Azevedo e Antônio Bicudo, em Pinheiros, expõe a obra Mães Africanas, do angolano Paulo Chavonga.

A iniciativa ganha corpo no momento em que a crise no Afeganistão chama a atenção para o drama dos refugiados. “Ela trouxe à tona a preocupação com as necessidades humanitárias dos refugiados, principalmente os artistas, muitos dos quais perderam o trabalho. O projeto é também uma vitrine para eles. Alguns já conseguiram novos trabalhos graças à repercussão do projeto”, revelou a presidente da ONG, que se dedica a esse acolhimento há cinco anos. O Cores do Mundo tem hoje quatro artistas – três estrangeiros e uma brasileira – mas já tem fila de espera. A ideia, segundo Luciana, é estender o projeto a outras cidades paulistas. “Estamos com propostas de três empresas, uma delas de Osasco”, alertou. Além da troca de experiências entre os refugiados, a ideia é envolver artistas brasileiros na iniciativa. “Sentimos que eles também querem compartilhar. O próximo projeto, na Rebouças com Rua Lisboa, terá Paulo Chavonga, um refugiado, e a brasileira Regina Elias da Costa, a Soberana Ziza.” O painel terá 60 metros quadrados.

Perseguidos. Israël Lavi e Shambuyi Wetu, refugiados do Congo, pintaram juntos os painéis nos tapumes da Pedra Forte, na Avenida Rebouças. Lavi está no Brasil desde 2015, quando deixou o Congo, por sofrer perseguição política. “A gente fazia grafites que desagradavam ao governo da época”, relata ele, que decidiu vir para o Brasil após ver alguns dos seus amigos serem mortos.

Quando chegou, Lavi não falava português – apenas o lingala, idioma de seu país. Com ajuda da ONG, conseguiu seu primeiro emprego. “Durante quatro anos, trabalhei como diretor artístico em uma agência de publicidade. Hoje tenho meu ateliê e atuo como artista independente. Além do Cores do Mundo, trabalho em outros projetos”, disse. Seus quadros, com cores intensas e figuras geométricas, já foram expostos na Maison de France e na Pinacoteca do Estado.

O angolano Paulo Chavonga, há quatro anos no Brasil, também já tem renome no cenário paulistano. Pelo projeto, ele criou a obra Mães Africanas na esquina das Ruas Artur de Azevedo e Antônio Bicudo, em Pinheiros. A partir de 2 de outubro, ele expõe obras no Museu da Imigração. Antes, mostrou seus trabalhos em Moçambique e Portugal.

A adesão ao Cores do Mundo faz parte de sua intenção de se dedicar mais, daqui para a frente, à pintura muralística. Ele faz pesquisas sobre a vida de africanos no Brasil e, também, sobre como os brasileiros enxergam a região de onde veio. “As pessoas que andarilham pelas ruas precisam ter um novo olhar sobre o continente africano”, ressaltou.

Parcerias. O avanço dos painéis coloridos pelas cidades depende de parcerias, avisa Luciana. Além da Pedra Forte, o projeto conseguiu a adesão da fábrica de chocolates Dengo, localizada na Avenida Faria Lima. Em maio, Israël Lavi cobriu de cores os muros de cimento da empresa. “Precisamos do apoio de empresários, de construtores, arquitetos e de empreiteiros que apoiem a liberdade artística e queiram apostar na transformação de todos os envolvidos”, disse.

O projeto não se encerra com a retirada dos tapumes ao fim das obras. “Os tapumes passaram a ser verdadeiras obras de arte e queremos, depois, que sejam perpetuados”, afirmou Cinthya Achon Parada, diretora de marketing da construtora, com 35 anos no mercado imobiliário. “Vamos fazer um acervo e, além de uma exposição física, provavelmente em um parque, estamos planejando também uma exposição virtual para as pessoas adquirirem as obras”, revelou Cinthya. A ideia é que os trabalhos “fiquem expostos em vitrines urbanas, em locais em que possam ser vistos pelo público”, acrescentou Luciana.

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2021-09-16T07:00:00.0000000Z

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