O Estado de S. Paulo

Coronavac e a 3ª dose

Fernando Reinach

A informação do Butantan, de que a Coronavac seria 100% eficaz contra mortes, não corresponde à realidade.

Finalmente foram divulgados os dados sobre a efetividade da Coronavac e da Astrazeneca no programa de imunização brasileiro. Eles demonstram, de maneira cabal, que as informações divulgadas pelo Butantan, de que a Coronavac seria 100% eficaz contra mortes, não corresponde à realidade.

A Coronavac evita 50% das infecções e 75% das mortes na população vacinada como um todo. A Astrazeneca evita 75% das infecções e aproximadamente 90% das mortes. Astrazeneca é uma vacina superior. Ainda não sabemos o que vem ocorrendo com pessoas imunizadas com Pfizer e a Jansen. Isso porque o uso dessas vacinas foi iniciado meses mais tarde.

A grande novidade desse estudo é que ele contém uma amostra significativa de pessoas idosas. Os resultados para esses grupos são ruins com a Astrazeneca, e inaceitáveis com a Coronavac. Em pessoas com mais de 90 anos, a Coronavac evita somente 25% das infecções, 30% das hospitalizações, 30% das internações em UTIS e 30% dos óbitos. Ou seja, ela fornece muito pouca proteção para idosos e nunca seria aprovada para uso nesse grupo, caso esses dados estivessem disponíveis na época da avaliação. O resultado é um pouco melhor para pessoas entre 80 e 89 anos: evita por volta de 55% das infecções, 65% das internações, 65% das internações em UTIS e 65% das mortes. Isso explica o grande número de idosos, como Tarciso Meira, que tem morrido quando infectados após tomarem a Coronavac.

Claro que esse trabalho não estuda diretamente pessoas que receberam três doses da Coronavac. Entretanto, na minha opinião, o uso da Coronavac para vacinar os mais idosos é uma decisão de alto risco. Para não dizer eticamente inaceitável. Isso porque temos a opção de utilizar as vacinas da Astrazeneca e da Pfizer que podem ser usadas como dose de reforço. É preciso retirar a Coronavac do esquema de terceira dose dos mais idosos. Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) garantir que assim seja feito, retirando a permissão de uso da Coronavac em idosos.

Esse trabalho é provavelmente o mais importante com dados dos primeiros meses da vacinação no Brasil. Ele avaliou 26 milhões de pessoas vacinadas com a Coronavac e 50 milhões de pessoas vacinadas com a Astrazeneca. Os dados usados foram fornecidos por órgãos governamentais e analisados por epidemiologistas de diversas universidades e institutos de pesquisa do Brasil e do exterior. Qualquer gestor público que tem como objetivo pautar suas decisões por dados científicos tem o dever de entender esses dados e tomar suas decisões com base neles.

A Coronavac teve um papel importantíssimo no processo de vacinação no Brasil. Seus defensores foram indispensáveis para colocar em movimento a vacinação diante do descaso de nosso presidente e do ministro da saúde da época. Cumprida sua função ela deveria ser aposentada ou usada somente em pessoas mais jovens. Portanto, a decisão do atual ministro da Saúde de não utilizar a Coronavac como terceira dose, dando preferência para as outras vacinas, principalmente a da Pfizer, está mais que correta.

MAIS INFORMAÇÕES: INFLUENCE OF AGE ON THE EFFECTIVENESS AND DURATION OF PROTECTION IN VAXZEVRIA AND CORONAVAC VACCINES. https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.08.21.21261501v2

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

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2021-09-04T07:00:00.0000000Z

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