O Estado de S. Paulo

Após dois meses de alta, vendas no varejo recuam 1,7% em junho

Para especialistas, inflação está por trás do resultado; ainda assim, cenário é de retomada até o fim do ano

Vinicius Neder / COLABORARAM CÍCERO COTRIM, THAÍS BARCELLOS E GUILHERME BIANCHINI

As vendas do varejo caíram 1,7% em junho ante maio, após dois meses de alta, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda surpreendeu analistas do mercado financeiro, que esperavam alta de 0,7%, conforme pesquisa do Projeções Broadcast. A mais pessimista das projeções era de uma queda de 0,9%. Para especialistas, a pressão da inflação fez a diferença em junho, mas a queda ante maio não muda o cenário de retomada, ainda que gradual, até o fim do ano.

Segundo Cristiano Santos, gerente da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE, desde o início do ano a atividade do varejo vem encontrando dificuldades de se sustentar nos níveis recordes atingidos em outubro e novembro de 2020. Na segunda metade do ano passado, em meio à retomada após o fundo do poço da crise causada pela covid-19, as vendas cresceram com o impulso do auxílio emergencial, as entregas em domicílio e o relaxamento nas medidas de restrição.

De dezembro em diante, porém, o desempenho tem rateado. No primeiro trimestre, as vendas do varejo tombaram 4,4% em relação ao quarto trimestre de 2020, informou Santos. Pesaram aí novas restrições ao funcionamento das lojas, por causa da segunda onda da pandemia, segundo o pesquisador do IBGE.

Ao longo do segundo trimestre, porém, as restrições foram reduzidas. Tanto que, em junho, só 4,9% dos empresários entrevistados na PMC relataram impacto do isolamento social como motivo para a queda na receita – menor nível de 2021, e apenas o segundo menor desde março de 2020, perdendo apenas para dezembro de 2020, com 3,5%.

Mesmo assim, após duas altas expressivas em abril (2,5% ante março) e maio (2,7% sobre abril), a retomada dos níveis recordes de outubro e novembro voltou a se tornar insustentável em junho. A queda de 1,7% ante maio foi a maior para meses de junho, nessa base de comparação, desde 2002, quando houve recuo de 2,0%.

“Esse crescimento de dois meses na margem (na variação ante meses imediatamente anteriores) já estava se aproximando desse nível recorde (de outubro e novembro) e, depois, temos esse rebatimento (em junho)”, afirmou Santos.

Demanda. Para o pesquisador do IBGE, em vez das restrições ao funcionamento das lojas, o que impediu agora a manutenção das vendas nos níveis recordes de outubro e novembro de 2020 foram fatores do lado da demanda, que dificultaram o “aumento da capacidade das famílias para consumir”. Santos citou a alta das taxas de juros, a inflação pressionada e o desemprego elevado como elementos a segurar o ímpeto do consumo.

“Olhando o desempenho setorial, esse resultado sugere que a inflação está produzindo efeitos importantes sobre a renda”, disse o economistachefe do Banco BV, Roberto Padovani. Ele destaca a contração de setores dependentes de renda, como tecidos, vestuário e calçados.

Por outro lado, embora o pesquisador do IBGE tenha citado a alta dos juros como fator a segurar o consumo das famílias, Padovani disse que setores dependentes do crédito tiveram desempenho em linha com as expectativas. Foi o caso da expansão das vendas de material de construção (1,81%) e móveis e eletrodomésticos (1,59%), sempre na passagem de maio para junho.

Já o economista-chefe do banco de investimento ASA Investments, Gustavo Ribeiro, destacou que segmentos que tiveram desempenho fraco em junho vinham de fortes taxas de crescimento nos meses anteriores. “Então, parte da história tem a ver com o movimento de antecipação de consumo, que traz um pequeno viés negativo no curto prazo.”

Apesar da surpresa negativa com o varejo em junho, Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, lembrou que a queda de junho se seguiu a duas fortes altas em abril e maio. Para o economista-chefe do Rabobank, Maurício Une, mesmo com a queda em junho, o varejo fechou o segundo trimestre de forma positiva. Agora, deverá passar por uma moderação.

Economia

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2021-08-12T07:00:00.0000000Z

2021-08-12T07:00:00.0000000Z

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