O Estado de S. Paulo

Sem qualquer controle, Congresso repassa R$ 1,9 bi via emendas

Neste ano, 66% dos parlamentares usaram a chamada transferência especial

Lorenna Rodrigues Daniel Weterman / BRASÍLIA

Primeiro, foi o orçamento secreto, no qual aliados definem, sem transparência, o destino de verbas federais por meio das emendas de relator-geral. Agora, parlamentares de vários partidos têm utilizado outra modalidade de repasses – também criada no governo de Jair Bolsonaro – para enviar dinheiro a prefeituras e governos estaduais. Trata-se de uma espécie de cheque em branco, já que recursos são transferidos por meio de emendas individuais. Os beneficiários não precisam apresentar justificativa ou projeto para explicar onde o valor será aplicado. Prefeitos e governadores só precisam indicar uma conta bancária para receber o dinheiro. Neste ano, 393 parlamentares recorreram à chamada transferência especial para enviar R$ 1,9 bilhão a Estados e municípios. No ano passado, 137 deputados e senadores repassaram R$ 621 milhões. Os dados foram compilados pelo Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop). As transferências especiais foram criadas em 2019. A ideia era criar uma forma mais rápida de as verbas chegarem à ponta, mas apenas em situações excepcionais.

Depois de o governo dividir verbas públicas entre aliados por meio do orçamento secreto, sem critérios mínimos de transparência, parlamentares de vários partidos têm utilizado outra modalidade controversa de repasses – também criada no governo de Jair Bolsonaro – para enviar dinheiro a prefeituras e governos estaduais. Trata-se de uma espécie de “cheque em branco”, pelo qual deputados e senadores transferem recursos, desta vez de emendas individuais, sem que os beneficiários justifiquem ou apresentem projeto para mostrar onde o valor será aplicado.

Por esta modalidade, basta a prefeitos e governadores indicarem uma conta bancária para receber o dinheiro. Para analistas, esse tipo de emenda pode aumentar a corrupção e estimular o mau uso do dinheiro público.

Neste ano, 393 parlamentares utilizaram a chamada transferência especial para enviar R$ 1,9 bilhão em emendas a Estados e municípios, de um total de 513 deputados e 81 senadores. No orçamento de 2020, 137 deputados e senadores lançaram mão das transferências para repassar R$ 621 milhões, valor que mais que triplicou neste ano. Os dados foram compilados pelo Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop) e repassados ao Estadão/broadcast.

Apelidadas de “emenda cheque em branco” e de “Pix orçamentário”, pela facilidade com que o dinheiro chega aos beneficiários, as transferências especiais foram criadas em 2019, com a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Esse tipo de repasse transfere recursos de emenda individual, a qual cada parlamentar tem direito, mas de forma “menos burocrática”. A ideia era criar uma maneira mais rápida de fazer as verbas chegarem à ponta, para situações excepcionais. A exceção, no entanto, tem virado regra.

Neste tipo de emenda, o repasse do recurso é feito diretamente para o caixa de governos estaduais e municipais, pulando etapas necessárias para outros tipos de direcionamento de verbas pelos parlamentares, como a verificação técnica de contratos entre prefeitura e governo federal e a prestação de contas para órgãos como Tribunal de Contas da União (TCU) e Caixa Econômica Federal.

A fiscalização cabe a procuradores e tribunais de contas locais, mas há dúvidas sobre a efetividade do pente-fino, já que prefeito e governador não são obrigados a dizer onde gastará a verba. “A transferência especial não tem objeto definido para utilização. É um recurso que simplesmente é depositado na conta do beneficiário (município ou Estado). Não passa por nenhum crivo de análise técnica”, disse o diretor do Inop, Renatho Melo.

A modalidade “cheque em branco” não foi a único criada no governo Bolsonaro que permitiu ao Congresso operar bilhões de reais do Orçamento sem transparência. Como revelou o Estadão, políticos passaram a utilizar outra emenda, chamada RP9, de autoria do relator do Orçamento, para direcionar dinheiro público para seus redutos sem que suas digitais aparecessem. Somente do Ministério do Desenvolvimento Regional foram R$ 3 bilhões liberados para um grupo de aliados do governo sem qualquer critério técnico ou transparência. TCU e Supremo Tribunal Federal foram instados a analisar a legalidade dessa operação.

No orçamento de 2021, cada senador e deputado tem cerca de R$ 16 milhões em emendas individuais, que podem ser transferidas para obras e outras ações em suas bases. Metade desse valor tem de ser repassado para a área da Saúde. O restante pode ser enviado por transferências com finalidade definida e, desde o ano passado, pelas transferências especiais (o “cheque em branco”).

Etapas. Segundo Melo, a principal diferença é que as transferências tradicionais têm de seguir um processo mais transparente. Nas transferências com finalidade definida, o parlamentar indica o ministério e o programa para o qual o recurso será destinado – por exemplo, Ministério do Desenvolvimento Regional, programa de infraestrutura urbana. Em seguida, o beneficiário – Estado ou prefeitura – tem de apresentar documentos para receber o recurso, o que inclui o objeto do programa em que o dinheiro será utilizado, justificativa e plano de trabalho a ser seguido. “Tem toda uma etapa técnica”, disse ele.

Já na transferência especial, o parlamentar indica a cidade ou unidade da Federação que receberá os valores e, então, o prefeito ou o governador apresenta a agência bancária onde será depositado o dinheiro. “O beneficiário não diz para que será aplicado o recurso”, afirmou o diretor do Inop. Até agora, os parlamentares já indicaram a transferência de R$ 133,9 milhões para governos estaduais e R$ 1,7 milhão para prefeituras.

Com o atraso na aprovação do Orçamento neste ano, os valores ainda não foram pagos. Já foi empenhado R$ 1,034 bilhão, o que significa que o dinheiro já está “reservado” para a transferência. Os Estados que receberam mais recursos, considerando governos estaduais e municipais, foram Minas, Paraná, São Paulo, Bahia e Ceará. Com as indicações, 2.759 municípios do País serão contemplados com essa modalidade de transferência.

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2021-07-21T07:00:00.0000000Z

2021-07-21T07:00:00.0000000Z

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