O Estado de S. Paulo

‘Se manter relevante, é pensar no que entregar’

Segundo o executivo, o Google foi do suporte social à sala de aula virtual na pandemia

Presidente é apenas um cargo, mas ser líder é um estado de espírito, costuma dizer Fabio Coelho, presidente do Google no Brasil. O mote passou a fazer ainda mais sentido quando a covid-19 desembarcou no Brasil. A gestão de Coelho, como ele mesmo salientou nessa entrevista, é pautada em transmitir esperança e apresentar um caminho melhor para as pessoas, fortalecendo as relações de confiança, demonstrando estabilidade emocional e reconhecendo o timing e as necessidades dos outros. “Neste momento que atravessamos, é preciso ter um olhar mais gentil, mais sensível.”

Desde março do ano passado trabalhando em casa (assim como todos os 3 mil funcionários da empresa aqui) Coelho conversou com a coluna sobre o futuro pós-pandemia e explicou o jeito ‘google’ de ajudar quem mais precisa, lamentou a praga das fake news e como a marca consegue manter a liderança em um mercado tão desafiador.

Aliás, quem dá um ‘google’ em ‘Fábio Coelho’ descobre que o executivo comanda a multinacional no Brasil desde 2011. Capixaba, 56 anos, é formado engenharia civil pela UFRJ, faculdade para a qual se preparou...estudando em casa. “Na época, não havia as facilidades da internet”, relembra. Após um MBA na mesma UFRJ, ele deu o pulo do gato: se inscreveu no programa internacional de trainees da Gillette, foi aprovado e se mudou para Boston, e fez Harvard.

Coincidentemente, a ‘gillette’ é sinônimo de lâmina de barbear até hoje. “Mas não foi criada na minha época”, corre para explicar, Coelho, aos 56 anos. O executivo passou pela Quaker Oats, Citibank e BCP, além do portal ig.

• Como está o Google em meio à pandemia?

A internet é um facilitador fundamental neste momento que vivemos. E o Google, do ponto de vista de acesso às nossas plataformas, assistiu a uma grande aceleração, porque as pessoas passaram a usá-las não apenas para realizar buscas ou se informar, mas para se manterem conectadas. A pandemia gerou toda uma mudança de comportamento em relação ao consumo, compra e entrega de produtos e serviços. Isso gerou um bom resultado durante esse período, e a gente devolveu à sociedade em forma de doação. Foram mais de R$ 150 milhões, destinados a ONGS como Amigos do Bem, Gerando Falcões, Potência Feminina e Conexão Educativa, a órgãos de imprensa do interior do Brasil e também para ajudar as empresas a se manterem. A gente fez um pouquinho de tudo.

• E esses resultados vieram das ferramentas do Google?

Sim, porque as pessoas tiveram de ressignificar seus relacionamentos, a maneira como consomem, como aprendem, como estudam, trabalham, a maneira como se divertem. Além do Google, tivemos ótimos resultados também no Youtube, no Google Maps, Chrome, Gmail, no Workspace. Nunca houve tanta necessidade de as pessoas estarem conectadas. Nossas plataformas ajudaram as autoridades de saúde a informar a população sobre medidas de proteção, disponibilizando dados confiáveis sobre vacinação, sobre higiene e saúde. Também trabalhamos dando créditos para a OMS e ajudando o governo federal a distribuir o auxílio emergencial via aplicativo de celular da Caixa Econômica. Porque 90% dos celulares brasileiros têm Android (sistema operacional do Google).

• Como se manter tantos anos na liderança de um mercado tão agitado como o da tecnologia? Acho que a resposta é que o Google tem como foco primário o usuário final. O Google de hoje é completamente diferente do Google de cinco anos atrás, que, por sua vez, é absurdamente diferente do Google de 1998, quando foi criado. Para se manter relevante é preciso pensar no que você está entregando para a sociedade, e com isso você vai fazendo ajustes diários, semanais, mensais

• Como a empresa vem trabalhando o conceito de informação de qualidade?

Temos muitos controles e muitos programas para ajudar. O Google não é o dono da verdade, não é a Justiça, não estamos aqui para arbitrar o que é certo e o que é errado. Mas temos uma série de iniciativas que nos ajudam a remover fake news, por exemplo.

• Como vocês detectam o que é fake news?

A gente usa entidades terceiras, que são credenciadas, como o Procure Saber e várias outras. Elas têm listado o que são fake news. Normalmente, as fake news se dão quando saem do campo da opinião e passam para o campo da informação não verdadeira. Trata-se de uma praga que ocorre no ambiente virtual e nosso objetivo é minimizá-la.

• Acabar com as fake news é muito difícil?

Muita gente lucra com a disseminação de conteúdos não verdadeiros. É no mundo inteiro. O que, antes, era considerado boato, rumor, fofoca e calúnia, hoje está sendo entendido como uma forma de desinformação. Nosso papel, neste momento, é remover conteúdo comprovadamente fake, conteúdo que chega até nós por meio das flags dos usuários. A partir daí, com autorização judicial, removemos os que são impróprios.

• Precisa ter autorização judicial? Explique, por favor.

A não ser que seja claramente crime de ódio, homofobia, racismo ou crime hediondo. Mas se trafegar no campo da opi- nião, não podemos atuar, porque o papel da plataforma não é julgar. Todos os conceitos de liberdade de expressão têm de estar garantidos nas plataformas de tecnologia, com neutralidade. Isenção, nesse caso, é fundamental.

• E como o internauta consegue discernir?

O usuário consegue distinguir o que são fake news ao longo do tempo. O problema é que algumas pessoas gostariam que certas calúnias fossem verdade, então, compartilham.

• Quando a fake news combina com o que a pessoa pensa, ela dissemina?

Exato. Acho que é um processo de educação também. A revolução digital permitiu o acesso de todo mundo ao ambiente virtual, e as pessoas deixaram de ser meras recipientes, quando só recebiam as notícias provenientes dos bons veículos de comunicação tradicionais, e passaram a poder comentar, dividir e até criar conteúdo. As fake news são um subproduto dessa oportunidade. Com o passar do tempo, as coisas boas ficam e as coisas ruins acabam sendo relegadas a um segundo plano. Sou otimista em relação a isso.

• Você comanda um time de quantos funcionários no Brasil? E como foi enfrentar a pandemia?

São três mil pessoas, um privilégio e uma responsabilidade imensa. Elas estão desde 13 de março de 2020 em casa. Porque a gente acredita que, para conseguir ajudar parceiros, clientes, governo e sociedade, primeiro temos de ter certeza de que os nossos funcionários estão bem.

• Quanto tempo levou para conseguir colocar todo mundo trabalhando de casa?

Um dia. No dia seguinte, já começamos a criar uma cadência de gestão mais próxima, tendo mais cuidado para entender como as pessoas reagiriam a um período prolongado de confinamento, porque isso tem um impacto grande na saúde mental. Então, é preciso estar mais ciente da questão do bem-estar de quem trabalha contigo. E respeitando as possibilidades dessas pessoas. Uma mulher que trabalha em casa, com dois filhos que ela tem de colocar para estudar e ainda fazer o almoço, é uma profissional completamente diferente de um jovem que está trabalhando de casa, mas mora sozinho. São necessidades distintas.

• Vocês investiram em apoio psicológico?

O tempo todo. A empresa tem um projeto global chamado EAP (Employer Assistance Program), que é o Programa de Assistência aos Funcionários, cujo foco é não deixar ninguém para trás. Às vezes, você tem uma pessoa mais tímida, com mais dificuldade de falar. E como faz para dar voz a ela? Chamá-la para uma reunião, dar sentido de colaboração? A gente está passando por um momento que pede mais gentileza, mais sensibilidade.

• O Google tem investido muito na área de educação. Como está sendo essa experiência?

Nunca foi tão importante disponibilizar acesso em plataforma de qualidade para que as crianças possam estudar em casa. O brasileiro vai passar dois anos sem ter condição plena de estar na escola. Mas o estrago dessa distância pode ser minimizado por meio dessas plataformas.

• Mas muitos estudantes sequer celular têm.

É verdade. Tive a chance de conhecer muitas realidades diferentes da nossa nos últimos meses e vi crianças usando o celular do pai ou da mãe para estudar – ou seja, os pais iam trabalhar sem o aparelho, para que os filhos pudessem ter acesso às aulas. Esse é o Brasil que nós precisamos melhorar, porque, assim, mudaremos o futuro de gerações inteiras.

“O GOOGLE NÃO É A JUSTIÇA, NÃO ARBITRA O CERTO E O ERRADO”

Especial

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2021-06-14T07:00:00.0000000Z

2021-06-14T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282175064063894

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