É preciso muita coragem para mudar de carreira. Quando essa decisão vem junto com o empreendedorismo, a emoção acontece em dobro. Luciana Seabra seguiu esse roteiro: trocou o jornalismo pela orientação financeira e abriu, em novembro de 2019, a Spiti, uma casa de análise com foco nos fundos de investimentos, uma indústria com patrimônio líquido de R$ 6,52 trilhões e mais de 13,6 mil veículos de diferentes classes, como multimercados, ações, renda fixa e outros, segundo dados da Anbima.

Em um momento em que as estrelas são os influenciadores que vendem cursos de “day trade” prometendo riqueza do dia para a noite, Luciana colocou todas as suas fichas no que acredita: a formação de um portfólio de investimentos que só vai dar resultado lá na frente. “Estou muito feliz em ver um estilo de educação financeira voltado para o longo prazo. Não quisemos ceder às tentações, porque sei que day trade vende para caramba”, diz a sócia-fundadora e presidente da Spiti.

• Fundos de investimento no Brasil são muito caros pela casadinha de 2% de taxa de administração com 20% de taxa de performance?

Tem gente que demoniza os fundos todos por conta da taxa de administração e da taxa de performance. Para mim, o grande problema é que todos os fundos multimercados e de ações do Brasil foram para o 2 com 20. É um negócio assim: acabei de abrir uma gestora, nunca fiz isso na vida, mas o meu multimercado custa 2 com 20. O que falta no mercado brasileiro de fundos é essa diferenciação. São duas coisas erradas: tem gente pagando 5% para fundo DI enquanto o fundo do Luis Stuhlberger, que é considerado um dos maiores gestores brasileiros de fundos multimercado, cobra 2 com 20. O segundo erro é a casa de multimercados que acabou de nascer cobrar a mesma coisa que o fundo do Stuhlberger ou do Rogério Xavier, da SPX. Tem de ter diferenciação porque é justo pagar 2 com 20 para um baita gestor.

• Como o investidor deve avaliar o benchmark?

Uma coisa que questiono é o benchmark, que é o referencial sobre o qual eles cobram a taxa de performance. Estou começando a ficar incomodada porque o referencial para cobrar performance para os multimercados é o CDI. O gestor está operando bolsa de valores, câmbio no Brasil e lá fora. Cobrar taxa de performance sobre o CDI é pagar para o seu filho ou sua filha arrumar a cama. É muito fácil bater o CDI! Trago isso nas conversas, mas isso me faz deixar de investir em multimercados? Não. Isso me faz escolher muito bem os multimercados que invisto porque, do contrário, vou deixar muito dinheiro em cima da mesa e não vou ganhar nada.

• Fundos quantitativos estão na moda. Os robôs vieram roubar o lugar de bons gestores?

Pelo menos no Brasil eu ainda não tenho conforto para indicar fundos quantitativos. Acompanho esse mercado e, na última crise, foi muito bem. Essa indústria está evoluindo muito no Brasil, tenho muito respeito por ela. São as equipes mais bem formadas do ponto de vista de time, muita gente do ITA, por exemplo, mas ainda tem muito a avançar. Eles foram muito bem nesta crise, mas na crise do Joesley Day tiveram uns que patinaram. Quando vem um estresse, fundos extremamente comportados têm um baque grande.

• Qual é o fundo que ninguém está de olho, mas as pessoas deveriam parar para pensar? Sou contra ter um fundo em específico. Defendo que o investidor precisa ter pelo menos três fundos em cada estratégia para ter diferentes cabeças trabalhando. Em um momento como a atual, de ex-tesoureiros de bancos. Esses gestores, que operam juro com inteligência, vão fazer uma grande diferença – e já estão fazendo – no mercado. A Kapitalo, a SPX e a Legacy são gestoras que estão se virando muito bem. Sim, vai pagar o 2 com 20, mas você acessa uma estratégia sofisticada que não consegue fazer sozinho. O movimento de queda é muito fácil para a pessoa física, que compra um título prefixado e vai ser feliz. Mas o movimento de alta, não. A SPX é para investidor qualificado, mas a Legacy você acha com aplicação mínima de R$ 500 em várias plataformas.