O Estado de S. Paulo

EX-PRESIDENTE DO BC MORRE AOS 76 ANOS

Com doutorado na Universidade de Chicago, Langoni foi professor do ministro Paulo Guedes e representante do Brasil no FMI, nos anos 1980

Wilson Tosta Vinicius Neder

• Presidente do Banco Central no início da década de 1980, Carlos Langoni voltou a colaborar com o governo, na equipe de Paulo Guedes (Economia), de quem foi professor. Ele estava internado com covid-19.

Em 1972, auge da ditadura militar, quando o então presidente do Banco Mundial, Robert Mcnamara, criticou a desigualdade brasileira, o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici achou que deveria responder. O escolhido para a missão foi o economista Carlos Langoni, que trabalharia no governo na virada das décadas de 1970 e 1980, quando foi presidente do Banco Central (BC), e voltaria a colaborar com a equipe do ministro Paulo Guedes 40 anos depois. Aos 76 anos, Langoni morreu ontem, vítima da covid-19, no hospital Copa Star, no Rio, onde estava internado havia seis meses.

Sob a ótica do regime, a escolha de Langoni, então com 28 anos e considerado um profissional brilhante, foi perfeita. Dois anos antes, ele obtivera doutorado na Universidade de Chicago, centro de economistas ultraliberais, com a tese The Sources of Brazilian Economic Growth (As Fontes do Crescimento Econômico do Brasil). No trabalho, investigou a relação entre educação e economia. Calculou o retorno do investimento em escolas fundamentais, médias e superiores.

Estava aí a “base” da resposta para contestar o Banco Mundial. A desigualdade brasileira, argumentou, era estrutural e ligada à educação. Com o crescimento econômico, a demanda por trabalhadores qualificados tinha crescido mais do que pelos mal instruídos. O aumento na participação de trabalhadores com mais anos de estudo na

“Todos reconhecem sua contribuição em estudos sobre a educação para explicar a desigualdade.” Mansueto Almeida

EX-SECRETÁRIO DO TESOURO

força de trabalho gerara a desigualdade. Essas conclusões seriam contestadas por economistas de oposição.

Langoni, de qualquer forma, abria seu caminho. Na época, a associação de técnicos com bom preparo a grandes multinacionais, empresários locais e militares ajudava o País a crescer a taxas de até dois dígitos e inflação sob controle para padrões da época, de 1967 a 1973. Empréstimos estrangeiros a juros baixos garantiam o fluxo de capital para sustentar o “milagre brasileiro”, como apoiadores do governo militar chamaram o período.

A festança desandaria em 1973, no primeiro choque do petróleo, e acabaria de vez no segundo, em 1979. Depois, veio a crise da dívida externa e a década perdida. O economista, contudo, passou anos longe do poder, na academia. Depois de três anos na Fipe, lecionou na Escola de Pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio, da qual foi também diretor.

Em 1979, foi chamado pelo então presidente do BC, Ernane Galvêas, para assumir a Diretoria da Área Bancária da instituição. Criou o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), que assegurava a liquidação virtual de transações com títulos públicos. Eram papéis virtuais, pela primeira vez, no Brasil.

Quando Galvêas foi nomeado ministro da Fazenda, em janeiro de 1980, Langoni o substituiu na presidência do BC. Aos 35 anos, foi o mais jovem ocupante do cargo da história. Foi ainda representante do Brasil, como governador suplente, no Fundo Monetário Internacional (FMI) até 1983.

Langoni foi professor de Paulo Guedes e fazia parte do grupo apelidado pelo ministro de “Chicago oldies”, jogo de palavras com os “Chicago boys”, como ficou conhecido o time de jovens economistas liberais egressos da Universidade de Chicago que trabalhou nas reformas da política econômica do Chile na ditadura de Augusto Pinochet. Mais de uma vez, em eventos públicos, Langoni disse que preferia a alcunha de “Chicago grandfather”.

Menos envolvido na elaboração do programa coordenado por Guedes desde a virada de 2017 para 2018, Langoni resistiu a aceitar um cargo no governo. Em 2019, ganhou status de assessor informal. No fim daquele ano foi indicado por Guedes como assessor para o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as economias mais desenvolvidas. Até adoecer, acumulava a função com o cargo de diretor do Centro de Economia Mundial (CEM) da FGV.

Notas de pesar. O ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, lamentou a morte de Langoni no Linkedin. “Todos (os economistas brasileiros) reconhecem sua contribuição para estudos do capital humano e a importância da educação para explicar desigualdade de renda no Brasil.”

Os ministérios da Economia e de Minas e Energia divulgaram nota conjunta de pesar lamentando o falecimento do economista. “Os ministros Paulo

Guedes e Bento Albuquerque lamentam a perda e expressam os mais profundos sentimentos aos familiares de Carlos Langoni. Que a todos nos console o fim de seus sofrimentos após uma vida plena de realizações pessoais e profissionais.”

A FGV ressaltou que, “em toda sua trajetória como homem público, mesmo com algumas interrupções, nas quais foi atender ao interesse da nação, Langoni sempre esteve ligado à FGV, tornando-se uma das referências da instituição”.

Primeira Página

pt-br

2021-06-14T07:00:00.0000000Z

2021-06-14T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282059099946902

O Estado