O Estado de S. Paulo

‘Bolsonaro não obedece às regras do sistema democrático’

Na avaliação de Weffort, é muito difícil um país com o espírito regional forte, como o Brasil, virar uma ditadura

Francisco Weffort, cientista político / M.G.

• O sr. trabalha a ideia de que a democratização por via autoritária torna difuso o conceito de que a política se realiza à parte da sociedade, de que a vontade do líder vale mais do que o respeito às leis, de que a política só se efetiva quando autoritária...

A política só se efetiva quando ela fala, se expressa pelo líder, pelo chefe, pelo comandante. Essa é a ideia básica. O Bolsonaro acredita que deve opinar sobre tudo como se pudesse entender de tudo. Estamos em uma pandemia e ele agora decide da cabeça dele que não é necessário usar máscara para quem já foi vacinado. Ou seja, não obedece às regras habituais de um sistema democrático. Nesse sentido é autoritário.

• Ele se insere dentro da tradição do Exército de intervir na vida política da República?

Eu diria que ele quer relembrar a tradição. Quer convocar essa tradição a favor dele, mas é muito diferente, como significado político, de toda essa tradição, pois ela é a tradição do tenentismo. Ele não é bem esse personagem, mas quer lembrar essa tradição em nome dele. Então diz: “O meu Exército”.

• Tenta reeditar a ideia de uma reforma institucional que passe pela moralização da política?

Exatamente. Se você lembrar bem, a Revolução de 1930 foi uma revolução em nome da moralidade pública, um grande movimento de opinião pública que passou pelas Forças Arma- das e entrou na tradição militar. É verdadeiramente da tradição brasileira. É curioso, mas a Revolução de 1930 é uma luta pela democracia, pois a democracia que tínhamos era restri- ta, oligárquica. Fica na tradição a lembrança da democracia vencendo. É parte do discurso oficial brasileiro, parte do sonho brasileiro – digamos assim, o fantasma brasileiro –, da ilusão brasileira da democracia. E parte das tradições de origem militar.

• O sr. diz no seu texto que ainda seremos uma democracia plena. Qual a razão desse otimismo?

(Risos) Em toda previsão há um tanto de vontade de futuro, de wishful thinking. É claro que me identifico com a ideia de um Brasil democrático no futuro. E acho que o Brasil se tem democratizado. De 1930 para cá, mas antes inclusive, apesar de todos os vaivéns, o País se democratizou muito.

• O sr. acha que esse processo não se interrompe?

Não. Nesse momento, nós estamos em um lusco-fusco. Pode haver uma tentativa de interrupção agora, mas não acredito que ela se firme, porque esse é o sonho brasileiro. Ou você sonha com a democracia ou tem a ilusão da democracia. A ilusão da democracia es- tá entre nós. Desde 1930. Inclusive o golpe de 1964 foi dado em nome da democracia. Foi dado contra a possibilidade de um comunismo golpista que viria do outro lado. Tanto que, imediatamente, depois dele, uma parte importante da opi- nião que o apoiou ficou contra, pois não aceitava, não que- ria a ditadura. Uma das coisas gloriosas do Estadão a meu ver foi isso. Eu acredito que te- remos a democracia. Nós co- mo Nação. Somos parte da eco- nomia do mundo. Nossas re- giões têm definições culturais fortes. O espírito regional no País é forte, daí a necessidade do federalismo, do Senado. É muito difícil um País com essas características, a essa altu- ra, virar uma ditadura. Nós não somos uma república das bananas. Aqui tem muito mais do que bananas.

Política

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2021-06-14T07:00:00.0000000Z

2021-06-14T07:00:00.0000000Z

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