O Estado de S. Paulo

Para Paulo Gustavo

MURILO BUSOLIN @MURILOBUSOLIN, NO INSTAGRAM

Lembro de sentir o meu peito ardendo em chamas. Sabe a adrenalina máxima que só o amor consegue gerar? Que nos tira o ar por instantes? Era o meu coração transbordando alegria por ver Adriana gargalhar das cenas de um filme em que eu, facilmente, sentiria medo de me ver representado no passado.

Foi assim que me senti todas as vezes em que levei minha mãe para me acompanhar nas sessões dos três filmes da franquia Minha Mãe É Uma Peça. Realizado. Quando descobri Paulo Gustavo, em 2012, seus personagens já eram conhecidos. Estava em meu primeiro estágio da faculdade de jornalismo e ainda não lidava bem com o fato de que eu era “diferente”, desde sempre.

Nascer gay em uma cidade do interior é uma caminhada complicada. Ou você tem a sorte em ser aceito desde que você entende a sua orientação sexual, ou você luta para ter respeito. Por conflitos familiares, bullying e toda a carga que os anos na escola pública carregam, atingi a maioridade sem a leveza e brilho no olhar daquele formando promissor do ‘terceirão’ que viaja a Porto Seguro.

Anos depois, me pego encarando aquele comediante careca usando peruca, vestido, salto alto, com todos os trejeitos que a minha, que a sua, que todas as mães desse imenso Brasil têm. E o melhor: fazendo a piada mais simples possível sobre o cotidiano dos filhos. Como assim, essa Dona Hermínia tem traços da minha Adriana? Como posso achar engraçado eu conseguir enxergar a minha mãe naquela mãe ‘fictícia’?

A Dona Hermínia aceita o seu filho homossexual Juliano. “Então há chances de eu também ser aceito numa boa? Também vamos rir disso um dia?”, pensei. Foi assim que descobri que o humor era a peça-chave para encontrar a minha leveza. Paulo me ensinou que rir de si mesmo é uma dádiva – e fazer o outro rir, uma honra. Se eu me tornei amigo e confidente da minha mãe, foi por influência de sua arte. Se eu me reconectei com a minha família, foi por ter introduzido a sua gargalhada dentro da casa dos meus pais. O seu riso virou o nosso riso.

E foi comendo pelas beiradas e rebatendo parte da militância extremista com seu trabalho que Paulo introduziu pautas importantes de nossa sociedade em suas maiores produções. Na TV paga, na TV aberta, nos teatros, no cinema, todo mundo entendeu o recado e riu. Precisava ser sutil – afinal, o brasileiro nunca aceitou tanta progressão com rapidez e confronto. Paulo Gustavo soube dosar e acertar o ponto. ‘É a bicha da família brasileira.’ Foi assim que carinhosamente o chamei quando escrevi minha análise sobre o seu último trabalho, o especial 220 Volts, em dezembro de 2020. Paulo não só notou o meu texto, como o repostou no Instagram e me agradeceu: “Amei a matéria, querido! Um 2021 lindo pra você e com vacina”.

Obrigado pela graça e por ser meu amparo, mesmo que imaginário.

É JORNALISTA E CONSOME CULTURA POP DESDE QUE SE ENTENDE POR GENTE

Especial

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2021-05-09T07:00:00.0000000Z

2021-05-09T07:00:00.0000000Z

https://digital.estadao.com.br/article/282372632488354

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