O Estado de S. Paulo

Veto do Facebook a Trump prejudica todos os usuários

Luiz Peres Neto, pesquisador e professor da ESPM Empresa apresenta hoje posição favorável ao controle da liberdade de expressão nas redes sociais, diz pesquisador

Thaís Ferraz

Em sua primeira grande deliberação, o conselho independente do Facebook votou a favor de manter o ex-presidente americano Donald Trump fora de suas duas principais plataformas, Facebook e Instagram, ao menos temporariamente. A decisão, anunciada na quarta-feira, deve ter consequências profundas nas discussões sobre controle e mediação de usuários de redes sociais, afirma o pesquisador e professor da ESPM Luiz Peres Neto. A seguir, trechos da entrevista:

• A decisão do conselho vai forçar, de certa forma, uma definição de tempo para o banimento das contas de Trump no Facebook e no Instagram. É uma vitória ou uma derrota para ele?

Qualquer que seja o resultado, todos saímos perdendo. Não só os envolvidos, a plataforma, o próprio Trump, mas os usuários. Existem dois modelos em choque: de um lado, a ideia de que a liberdade de expressão não deve ter limites, o paradigma americano da 1.ª Emenda. Por outro, você tem uma visão mais continental, europeia, que entende que a liberdade de expressão precisa ter limites dentro do estado democrático de direito. Entender o contexto no qual essa decisão está sendo tomada é fundamental para pensar no futuro das nossas liberdades nas mídias sociais. Essa decisão vai marcar muito a agenda política de controle e mediação dos usuários. A decisão de banimento é muito interessante porque também é a primeira decisão de grande envergadura desse comitê, e é o que vai legitimar ou não esse comitê como uma espécie de legislador. Se eles pesarem muito a mão, vão de alguma maneira sair perdendo com toda uma corrente que entende a liberdade de expressão como valor fundamental para a democracia. E se foram brandos ficarão mal com a corrente filosófica que segue a visão continental de que a cidadania vem na frente e a liberdade de expressão deve ser limitada em uma lógica de peso e contrapeso.

• O que essa decisão diz sobre o conselho, considerando que há temores sobre sua independência, uma vez que é financiado pelo próprio Facebook?

O comitê é uma tentativa desesperada do Facebook de se legitimar como “somos uma empresa privada, sim, somos uma das grandes big techs, mas não somos

os malvados dos direitos fundamentais. Nos preocupamos com a neutralidade de rede, liberdade de expressão e outros valores, tanto que criamos esses comitês, com pessoas respeitadas no campo de políticas de comunicação digital, que estão colocando suas reputações em jogo para legitimar o comitê”. Mas todas as regras do comitê são decisivas para a legitimidade do próprio. Por que o Facebook, em vez de apoiar um comitê fundado por ele mesmo, não apoia políticas de regulamentação? A ideia é antes que alguém me regule, eu me regulo, pois aí posso ter mais liberdade.

• Um possível sucesso do conselho pode estimular a criação de outros em outras plataformas?

Duvido. Todo o esforço que foi feito de construção de políticas públicas e de regulamentação do espaço da internet foi titânico. O Brasil foi líder mundial nesse terreno, com o marco civil da internet, que serviria como inspiração para que outros países – como a Itália – adotassem legislações similares. A iniciativa legislativa existia, mas não foi para a frente, entre outras coisas, por movimento de agentes do mercado como o Facebook.

• Como essa decisão afeta os usuários do Facebook?

De uma maneira até prosaica. Um microempresário que tem uma fanpage, usa o Instagram, pode ser banido porque compartilhou alguma coisa que alguém denunciou. O comitê não mudou o fundamento do Instagram, do Facebook: a política de privacidade e uso está baseada em denúncias.

• Quais consequências dessa decisão em eleições futuras?

Pelo comitê, pouco, pelo Facebook, muito. O Facebook e o Twitter fizeram um movimento muito claro para evitar os erros de 2016, começando a etiquetar todas as publicações do Trump questionando os resultados eleitorais.

• E em eleições de menor visibilidade?

No âmbito nacional, acredito mais na Justiça Eleitoral. Ela aprendeu muito, no caso do Brasil, com as eleições de 2018. O que o “gabinete do ódio” fez foi de uma capacidade de implementação dessas redes de mentiras que a Justiça Eleitoral não estava capacitada para evitar. Creio que a resposta pode ser dada com maior eficácia por parte das instituições do que por uma empresa como o Facebook.

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2021-05-09T07:00:00.0000000Z

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