O Estado de S. Paulo

Operação do MP e da PF mira duas fintechs por lavar dinheiro do PCC

MP e PF apontam que empresas usavam contas de ‘laranjas’ para movimentar valores; uma delas tem como sócio policial que foi preso

RAYSSA MOTTA FAUSTO MACEDO MARCELO GODOY

Um dos alvos é o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior. Ele é sócio da 2Go Instituição de Pagamento Ltda.

A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) deram início ontem à Operação Hydra, que mira um esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio de fintechs. Um dos alvos da operação é o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior, que teve prisão preventiva decretada pela Justiça. Ele está afastado do cargo de policial e é sócio de uma das fintechs investigadas.

Os agentes federais também realizaram buscas em dez endereços ligados aos investigados na capital paulista e nas cidades de Santo André e São Bernardo do Campo, no ABC. Foram apreendidos armas, computadores, carros de luxo e dinheiro em espécie.

A investigação que levou a PF e o MP-SP a deflagrarem a operação teve como ponto de partida a delação premiada do empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, assassinado a tiros de fuzil no aeroporto de Guarulhos em novembro do ano passado. Três policiais militares foram presos como suspeitos de executar o crime, além de outros 14 PMs, que prestavam serviço de segurança para Gritzbach.

As empresas investigadas na Operação Hydra são a 2Go Instituição de Pagamento LTDA, da qual Salerno é sócio, e a Invbank Solução de Pagamentos. Segundo a investigação, as fintechs dirigiam depósitos para contas de “laranjas” controladas por elas mesmas e, depois, transferiam o dinheiro para a compra de imóveis e outros bens ou para contas no exterior, dificultando a fiscalização por órgãos de controle, como o Banco Central e a Receita Federal. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectaram movimentações suspeitas envolvendo as fintechs.

Promotores do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), braço do MP-SP, afirmam na representação que deu origem à operação que “empresas que oferecem serviços financeiros de forma alternativa às instituições bancárias tra

Ligação com terrorismo Banco identificou transações de fintech com contas digitais que, segundo Israel, financiam terrorismo

dicionais estavam movimentando valores ilícitos, através de sofisticados métodos de engenharia financeira para dissimular sua procedência e beneficiários reais”.

Não é a primeira vez que o policial Salerno entra na mira da PF. Ele já havia sido preso preventivamente em novembro, na Operação Dólar Taipan, mas conseguiu um habeas corpus no mês seguinte.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, afirmou ontem que a soltura dele demonstra falta de compreensão sobre o patamar alcançado pelo crime organizado. “Nas estruturas do sistema de Justiça, em tribunais superiores, às vezes se tem uma interpretação onde tratam alguém ligado a um crime organizado, a organização criminosa, como um crime comum, sendo que não é”, afirmou. “Eu não estou falando aqui de endurecimento ( da legislação), mas de aplicação.”

Em depoimento à Corregedoria da Polícia Civil, uma semana antes de ser assassinado, Gritzbach afirmou que a fintech 2Go teria lavado R$ 6 bilhões para o PCC. Também declarou que Salerno teria negócios com Rafael Maeda, o Japa, e Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, ambos integrantes do PCC já mortos.

O Estadão tentou, sem sucesso, contato com as defesas das fintechs e de Salerno.

LARANJAS. O MP-SP identificou uma rede de laranjas e operadores que teriam sido usados pelas duas fintechs para lavar dinheiro do PCC. “As referidas fintechs servem para dissimular e integrar recursos ilícitos na economia formal. Demonstrou-se que o capital que movimentam tem vínculo direto com pessoas físicas sem capacidade financeira lícita e com pessoas jurídicas de fachada, que sequer possuem local comercial e são registradas em nome de laranjas ou testas-deferro”, diz um trecho da representação do MP-SP.

Ao se debruçar sobre as movimentações financeiras das empresas, as autoridades identificaram vultosas transações em nome desses laranjas. Um deles é o servente de pedreiro Josenilson Urbano, que consta como dono de uma empresa, a Crédito Urbano, que en

“As referidas fintechs servem para dissimular e integrar recursos ilícitos na economia formal. Demonstrou-se que o capital que movimentam tem vínculo direto com pessoas físicas sem capacidade financeira lícita e com pessoas jurídicas de fachada, que sequer possuem local comercial”

Trecho de representação do MP que deu origem à operação

viou milhões à Invbank.

As movimentações da 2Go também revelaram ligações com pessoas e empresas suspeitas. Em 2024, a fintech recebeu R$ 5 milhões da MRB Intermediação e Negócios Digitais LTDA. O endereço registrado da empresa, em Sinop, Mato Grosso, não tem atividades comerciais. A MRB recebeu, por sua vez, R$ 31,8 milhões da 4TPag, de Matie Obam, uma jovem de 23 anos dona de oito empresas, muitas delas sediadas no Tocantins, que movimentaram mais de R$ 500 milhões. Matie é investigada por lavagem de dinheiro, financiamento e custeio de tráfico de drogas. Entre os destinatários do dinheiro da MRB estão a Upcambio Serviços Digitais LTDA, criada em 2019 por Bruno da Silva, preso em uma operação conjunta da PF e da Receita Federal contra fraudes em criptomoedas.

A 2Go ainda recebeu R$ 7,7 milhões da AR Intermediações, empresa de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, que também não tem atividades comerciais no endereço registrado. A AR recebeu R$ 21,3 milhões da Adega Garagem, empresa em nome de Mauricio Walter de Cordeiro. Segundo o MP, Cordeiro recebeu em 2020 o auxílio emergencial pago pelo governo federal na pandemia de covid-19, ou seja, não teria capacidade financeiras para essas movimentações.

“Trata-se de modus operandi típico de operadores financeiros incumbidos de lavar dinheiro ilícito: o responsável pela operação recebe o dinheiro, distribui-o entre diversas pessoas e, em contrapartida, tais pessoas direcionam os montantes recebidos para outras, a mando do operador, ou devolvem uma parte para a origem.”

TERRORISTAS. As transações da 2Go envolveram ainda réus em processos criminais, inclusive por roubo. Em sua teia de relacionamentos suspeitos, há até grupos terroristas, com quem teria negociado por meio de criptomoedas.

O MP-SP tomou conhecimento de um comunicado do Ministério da Defesa de Israel sobre a existência de carteiras de ativos digitais e contas digitais que “seriam operacionalizadas para movimentação de criptomoedas com fins de perpetração de crimes de terrorismo”. A 2Go teria ligação com as contas. A conexão foi descoberta após o Banco Topázio identificar transações entre a fintech, que é sua cliente, e as carteiras digitais (wallets) listadas no comunicado do ministério israelense. O banco não é investigado, colabora com o inquérito e notificou as autoridades.

Os promotores do Gaeco afirmam que a ligação demonstra “como a empresa proporciona condições apropriadas para a movimentação dos recursos das mais variadas origens ilícitas”. •

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