O Estado de S. Paulo

Salles vira alvo da PF em investigação sobre venda ilegal de madeira

Operação realizada ontem foi autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e, além do ministro do Meio Ambiente, mira toda a cúpula do Ibama

André Borges / BRASÍLIA Pepita Ortega

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e toda a cúpula do órgão ambiental foram alvo de operação da Polícia Federal que apura suposto esquema de corrupção montado para atuar na exportação ilegal de madeira. Entre o fim de 2019 e o início de 2020, os EUA relataram ao Ibama casos de envio ilegal de madeira brasileira para os portos americanos. O Ibama ignorou os alertas, alegando que documentos antes exigidos não eram mais necessários. O caso, então, foi relatado à PF por um representante do governo americano. A operação foi autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Na decisão, Moraes destacou que um relatório de inteligência financeira indicou “movimentação extremamente atípica” de dinheiro, num total de R$ 14,1 milhões, entre 2012 e 2020, envolvendo um escritório de advocacia do qual Salles é sócio. Moraes determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ministro e de outros 22 alvos da investigação. Buscas da PF foram realizadas em endereços residenciais de Salles e no gabinete que ele montou no Pará. O ministro disse que Moraes foi “induzido ao erro”.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo ontem de operação da Polícia Federal que aponta seu envolvimentoem suposto esquema de corrupção montado para atuar na exportação ilegal de madeira. Além de Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e a cúpula do órgão ambiental são suspeitos de favorecer o contrabando de produtos florestais no País.

As suspeitas, que passam por nove tipos de crime, atingem um dos principais auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, eleito com a bandeira do combate à corrupção e que costuma repetir não haver irregularidades no seu governo. O presidente ignorou o assunto ontem.

A operação, batizada de Akuanduba, foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na decisão, o magistrado destacou que um relatório de inteligência financeira indicou “movimentação extremamente atípica” de dinheiro, um total de R$ 14,1 milhões, envolvendo um escritório do qual Salles é sócio, em São Paulo, em transações realizadas entre 2012 e junho do ano passado. Moraes determinou a quebra dos sigilos bancários e fiscais do ministro, assim como dos outros 22 alvos da investigação.

Salles negou irregularidades e disse que o ministro do Supremo foi “induzido ao erro” ao autorizar a operação (mais informações na pág. A8).

As investigações da PF apontam a existência de um “modus operandi” que passou a vigorar em exportações ilícitas de madeira, a partir de mudanças na legislação realizadas para facilitar a saída de material do Brasil, a pedido de madeireiros. No centro das acusações está um despacho assinado pelo presidente do Ibama, em fevereiro do ano passado, conforme revelado à época pelo Estadão.

Entre o fim de 2019 e início de 2020, o órgão ambiental havia recebido uma série de demandas de madeireiros para facilitar a exportação, mexendo nas regras de fiscalização. Na ocasião, empresas enfrentavam bloqueio de cargas, principalmente nos Estados Unidos, e procuraram a cúpula do Meio Ambiente para tentar resolver a situação. A PF afirmou que Salles e a diretoria do Ibama se reuniram no dia 7 de fevereiro, em Brasília, com associações do setor, como a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex) e o Centro das Indústrias do Pará (CIP).

As entidades reclamaram de apreensões de produtos florestais exportados sem a devida documentação pelas empresas Ebata Produtos Florestais Ltda. e Tradelink Madeiras Ltda., para os Estados Unidos. Menos de um mês após o encontro, no dia 25 de fevereiro do ano passado, o presidente do Ibama editou um “despacho interpretativo” que, numa canetada, anulava a necessidade de autorização específica para exportação de madeira.

“Na sequência, pelo que consta da representação da autoridade policial, houve o atendimento integral e quase que imediato da demanda formulada pelas duas entidades, contrariamente, inclusive ao parecer técnico elaborado por servidores do órgão, legalizando, inclusive com efeito retroativo, milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”, registrou Moraes ao detalhar as condutas atribuídas pela PF ao ministro Ricardo Salles.

Origem. Com a nova instrução do Ibama, os produtos florestais passaram a ser acompanhados apenas do chamado Documento de Origem Florestal (DOF), algo que, como alertou a própria área técnica do órgão ambiental, não era suficiente para garantir a fiscalização. Essas observações, no entanto, foram ignoradas e a nova regra passou a vigorar.

O chamado DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, apenas para que a madeira seja levada até o porto, ou seja, é uma licença de transporte e armazenamento, enquanto a instrução até então vigente exigia uma autorização específica para exportação. Com a mudança, uma guia de transporte emitida pelos órgãos estaduais passou a valer no lugar de uma autorização do Ibama.

Ao acatar o pedido dos madeireiros, Bim aceitou o argumento das empresas de que a exigência da autorização específica teria “caducado”, porque teria sido revogada pela existência de outro recurso, o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sina or), implantado em 2014.

“Equivocado entender que o DOF exportação não possibilita a fiscalização da carga, quando não apenas isso é possível, pelo dever geral de proteção ambiental, como expressamente previsto”, declarou Bim no despacho. “A fiscalização ambiental não é prejudicada.”

A decisão chegou a ser festejada pelos madeireiros, como mostrou o Estadão. Três dias depois da mudança, o Centro das Indústrias do Pará (CIP) enviou carta ao presidente do Ibama em que o agradeceu por “colocar em ordem as exportações de madeira”.

Os investigadores apontaram que, após o despacho que atendeu aos pedidos das madeireiras, “servidores que atuaram em prol das exportadoras foram beneficiados pelo ministro com nomeações para cargos mais altos, ao passo que servidores que se mantiveram firmes em suas posições técnicas foram exonerados por ele”. Na decisão em que autorizou a operação, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou a suspensão da nova norma.

‘Boiada’. Ao detalhar a participação de Salles no esquema sob suspeita, a PF chegou a reproduzir falas do ministro durante a reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 no Palácio do Planalto. Na ocasião, o titular do Meio Ambiente disse que era preciso aproveitar a “oportunidade” da pandemia do coronavírus para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

O vídeo do encontro foi divulgado no ano passado, por ordem do então ministro do STF Celso de Mello, no âmbito do inquérito que investiga se Bolsonaro interferiu na PF.

“O que se descortinou das investigações foi a existência, em tese, de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, dentre outros crimes, do qual fariam parte diversos agentes públicos e pessoas jurídicas.”

Alexandre de Moraes

MINISTRO DO SUPREMO

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2021-05-20T07:00:00.0000000Z

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