O Estado de S. Paulo

Com risco fiscal em alta, título do Tesouro já paga juro real de 6%

Taxa dos papéis de longo prazo é a maior da gestão Bolsonaro

ADRIANA FERNANDES ANNA CAROLINA PAPP

Omercado financeiro está exigindo juros mais altos para adquirir títulos de longo prazo do governo. As taxas atingiram o maior nível da gestão de Jair Bolsonaro e refletem o temor de descontrole fiscal após medidas como a “PEC Kamikaze”, que fura o teto de gastos. Ontem, o Tesouro Nacional aceitou pagar juros de 6,17% para vender seus papéis atrelados ao IPCA, as NTN-BS, com vencimento em 40 anos, o mais longo da dívida pública doméstica. No início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, as taxas estavam em 4,76%. A alta na remuneração abre oportunidade para quem quer investir, dizem especialistas. Eles alertam, porém, que é preciso avaliar o prazo dos títulos. Resgates antes do vencimento podem significar prejuízo.

Com a percepção de aumento do risco fiscal, o mercado financeiro está exigindo juros mais altos para comprar os títulos do governo de longo prazo, a exemplo do que ocorreu no fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando a ex-presidente buscava a reeleição. Essas taxas estão hoje no maior patamar do governo Bolsonaro, que tenta reeleição. Ontem, o Tesouro Nacional aceitou pagar juros de 6,17% para vender os seus papéis atrelados ao IPCA, as NTNBS, com vencimento em 40 anos – o mais longo da dívida pública doméstica.

No início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, as taxas estavam em 4,76%. Elas chegaram a cair para um patamar mais próximo de 3% no fim do mesmo ano com a aprovação da reforma da Previdência.

No fim de 2014, véspera da posse de Dilma para o segundo mandato, sob a desconfiança do mercado quanto à sustentabilidade das contas públicas, as taxas dos títulos com prazo semelhante também estavam em 6,17%.

Ontem, os papéis com prazos curtos e intermediários também foram vendidos com taxas muito mais salgadas para o Tesouro diante da ameaça de inclusão na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) “Kamikaze” de aumento adicional de gastos – já estimados em R$ 41 bilhões fora do teto. Para o investidor, essa alta na remuneração paga pelo governo para se financiar é uma oportunidade.

Os juros reais (descontada a inflação) dos papéis com prazos de vencimento longos são um indicador da confiança dos investidores no futuro do País, porque mostram um cenário muito além do atual ciclo de alta da Selic. As taxas de juros longas atuais indicam que os investidores parecem ter a mesma desconfiança da época do fim do primeiro mandato de Dilma.

Para o estrategista-chefe do Renascença DTVM, Sérgio Goldenstein, tanto os mercados de juros quanto o de câmbio vêm refletindo o impacto da PEC, que fura o teto de gastos, atingido pela segunda vez em menos de sete meses. Como os juros, também subiram o dólar (fechou o dia em R$ 5,38, alta de 1,19%) e o risco Brasil. O economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, diz que, apesar dos desafios no cenário internacional, comuns a todos os países, a tramitação da “PEC Kamikaze” vem fazendo a percepção de risco do Brasil aos olhos dos investidores crescer mais, na comparação com outros emergentes. O risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS), disparou nos últimos dias e chegou a 302 pontos ontem. A média de Chile, México, Colômbia e Peru está em 180.

Segundo Goldenstein, que foi chefe do Departamento de Operações do Mercado Aberto do Banco Central (BC), uma parcela do aumento de juros no mercado futuro e nos leilões do Tesouro se deve à política em curso de alta da Selic e outra, à piora da percepção do risco fiscal no Brasil. “Os juros longos deveriam ser muito menos afetados pela política monetária, e eles se deslocaram muito para cima pelo aumento da percepção de piora do risco fiscal”, avalia.

Goldenstein destaca que a piora fiscal é mais grave agora do que foi no fim do ano passado, quando o Congresso aprovou a PEC dos Precatórios. O economista rejeita o argumento do governo Bolsonaro de que o excesso de arrecadação compensaria o rombo no teto. “A ideia do teto é justamente o oposto: que em momentos de aumento de arrecadação haja um resultado fiscal melhor para compensar períodos de arrecadação pior, com economia mais fraca”, diz. •

Com a percepção de aumento do risco fiscal no Brasil, os juros que remuneram o Tesouro Direto voltaram a subir. Os títulos atrelados à inflação, por exemplo, já estão cotados pela variação do IPCA mais remuneração de 6% ao ano, o maior nível em seis anos. Esse cenário decorre das dúvidas em relação à “PEC Kamikaze” e o temor de uma bomba fiscal para o próximo governo. Por isso, investidores passaram a exigir taxas maiores, o que se reflete no Tesouro Direto.

Foi por esse motivo que, na tarde de ontem, o Tesouro Prefixado atrelado à inflação com vencimento em 2055 era o que oferecia o maior retorno ao investidor: IPCA mais 6,10%. Já o com vencimento em 2035 pagava com taxa de 6%. O título com vencimento mais curto, em 2026, oferecia IPCA mais 5,85%. “Já estávamos em um período de juros altos pela inflação pressionada, o que já fazia a taxa subir. Mas agora estamos com um risco fiscal maior com a PEC de Bondades, que era um risco não projetado antes”, explica a analista da corretora Rico, Paula Zogbi.

Ela afirma que a recomendação geral é para que o investidor, ao comprar um título público, avalie primeiro a necessidade de recursos ao longo do tempo, evitando assim ter de sacar o dinheiro antes do prazo de vencimento do papel e perder o rendimento integral. A analista diz que, com a taxas que estão sendo pagas hoje, o melhor negócio para o investidor é buscar os títulos com vencimento de mais curto prazo.

RISCO. “Não existe um prêmio que faça valer optar por prazos mais longos”, diz. Segundo ela, os títulos mais longos não estariam, até agora, embutindo um cenário de elevação de maior risco fiscal. “Não vale o risco de sair dos com vencimento em 2025”, avalia. No caso da aplicação de dinheiro da chamada reserva de emergência, a indicação é investir no Tesouro Selic, que segue a variação da taxa básica de juros.

“De uma maneira geral, os investimentos em renda fixa, hoje, estão muito atrativos. Uma rentabilidade de 6% acima da inflação medida pelo IPCA é ótima para quem puder deixar seu dinheiro investido até o vencimento do título”, afirma o professor da Escola de Economia da FGV Henrique Castro. Ao contrário do que se pensa por se tratar de um investimento em renda fixa, o valor do título do Tesouro Direto oscila, já que seu valor depende de variáveis de mercado, como o juro no futuro. Para manter um retorno do IPCA mais 6% ao ano, por exemplo, o investidor precisa manter o papel em mãos até o vencimento.

A cofundadora da casa de análise Nord, Marília Fontes, afirma que os investimentos em títulos prefixados, como os atrelados à inflação, podem ser uma boa opção apenas se o investidor tiver segurança de que a tendência é de baixa das taxas de juros. No entanto, a sua avaliação é de que o momento ainda é muito incerto. Por isso, sua indicação nesse momento é de investimento nos títulos pós-fixados (caso do Tesouro Selic), que estão pagando nesse momento 1% de juro ao mês. •

“De uma maneira geral, os investimentos em renda fixa, hoje, estão muito atrativos.” Henrique Castro Professor da Escola de Economia da FGV

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2022-07-06T07:00:00.0000000Z

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